CONTOS





Mesa pra três

Eu estava em casa, pensando em qualquer coisa de menos importante, pois nem lembro de nada antes disso, quando meu irmão anunciou que estava namorando. Não só que estava namorando, mas que ia levar a namorada para jantar naquela sexta-feira e gostaria que todos estivessem presentes. Palhaçada, pensei eu, sexta-feira, dia de beber e encontrar os camaradas. Mas fiquei lá. Meu irmão? Com namorada? Olha, não estou querendo desmerecer ninguém, mas ele não é o cara que a gente imagina com namorada. A impressão que sempre tive do meu irmão é que ele seria um coroa, solteirão, inteligente, mas sem uma esposa ao lado. Ah, sei lá porque cargas d’água eu pensei nisso.
Minha mãe correu pra cozinha pra preparar algum prato especial e eu corri pro meu quarto pra pensar sozinho. Tomei um banho quente, dei uma relaxada e pensei na Marcinha, uma garota nova que entrou na aula de Administração Financeira. Parece a Pocahontas. Depois do banho, peguei uma cueca branca, blusa branca e bermudão bege. Desodorante, ok; perfume, ok. Perfume? Não sei porque eu passei perfume. Não tive nenhuma intenção. Fiquei vendo uns e-mails, papeando pela Internet e acabei perdendo a noção da hora. A campainha tocou, eram 9 horas da noite. Eduardo! Ouvi meu nome e fui de encontro a minha mãe que me chamava.
Lá estava na sala, minha mãe, meu irmão e ela, a namorada.
- Eduardo, mãe, essa é a Maria de Lourdes.
O jantar estava ótimo, comi uma ótima lasanha da mamãe e ouvi meu irmão falar coisas que eu nem sabia que ele sabia. A Maria de Lourdes passou a Malu em poucas semanas. E em outras poucas passou a dormir aqui.
Uma sexta de madrugada, chegando da casa de um camarada já meio alto, entrei em casa e fui direto ao banheiro, quando eu coloquei a mão na maçaneta e abri a porta, Malu tava no banheiro, seminua. Fiquei tão sem graça que fechei os olhos, pedi desculpas e dei ré. Já Malu não se mostrou sem graça assim e eu reparei que quando me viu, esboçou um sorrisinho sacana.
Sonhei com ela o resto da noite. Isso piorou tudo.
No sábado a noite, fomos à casa da minha avó e ela foi junto: jantar de família. Sentou meu avô na cabeceira, minha avó e minha mãe, eu e Malu e meu irmão na outra cabeceira. Num certo momento me peguei olhando Malu e, não só eu, ela mesmo me pegou a olhando. Fiquei sem graça e desviei o olhar. Isso aconteceu mais umas vezes e de repente, percebi um pé na minha canela. Pirei? Não levantei os olhos da comida durante uns minutos a mais e a olhei diretamente nos olhos. Ela estava me encarando. E agora?
Não fiz nada e continuei agindo como se nada tivesse acontecido. Se tivesse sido por acaso? Ou se fosse outra pessoa?
Depois um pouco, na hora da sobremesa, ficamos todos conversando sobre outros idiomas e meu avô mencionou que eu poderia morar no Canadá, já que eu falo francês. Acho muito sexy falar francês, ela disse. Eu senti que aquilo foi uma alfinetada.
Uma hora depois, de volta a minha casa, meu irmão estava com dor de cabeça por causa do vinho do meu avô e foi dormir. Estávamos minha mãe, Malu e eu. Vimos um filme bobo na televisão entre um final de cervejinha que ainda tinha na geladeira que terminamos em poucos minutos. A noite de minha mãe acabou ali no sofá.
Confesso que o clima ficou chato durante um tempo, ou melhor, o clima foi inexistente. Os dois ficaram vendo TV e sem nada pra falar. Acho que a cerveja subiu um pouco e passei a reparar em Malu. Ela era normal ao meu primeiro ver, mas nesse dia estava alguma coisa que eu não consigo nomear. Tudo que eu pensei se torna muito pouco para descrever. Cabelos ondulados e escuros, pele branca e olhos escuros. Normal para a descrição.
Levantei para ir ao banheiro e pensei em todas as coisas que eu não poderia pensar, afinal, é namorada do meu irmão. Mas será que ela não passou o pé na minha perna? Não me chamou de sexy? Ela está querendo alguma coisa.
Abri a porta do banheiro e apertei o interruptor para apagar a luz quando senti um vulto em cima de mim, me levando de volta para dentro do banheiro. Um vulto feroz e decidido, como se já conhecesse todos os meus movimentos. Eu e Malu levamos mais de 1 hora dentro do banheiro.
- Boa Noite
Ela sorriu e entrou no quarto do meu irmão.
Dormi feito um anjo e fiquei carregando essa culpa por uma semana. Até Malu aparecer de novo e nossos encontros começarem a ficar freqüentes.
Eu estava apaixonado, acabado. Ela era a mulher mais perfeita do mundo. Ela me venerava. Falava coisas que eu nunca imaginava ouvir e me beijava e me despia e me comia. Ela que me comia. Eu era dela a hora que ela queria, mas não sei se ela sabia disso.
Nosso entrosamento começou a ser mais evidente e já estávamos “amigos” para os que viam.
Passei a andar com meu irmão. Eu via a Malu todos os dias, a buscava algumas vezes no trabalho para trazê-la para casa. Nós íamos ao motel na hora do almoço e depois eu a levava para o meu irmão.
Depois de um ano de namoro, Malu fez um concurso público e começou a trabalhar fora da cidade.
Os encontros começaram a diminuir, Malu só aparecia nos fins de semana. Meu irmão vivia chateado, com saudades. E ainda reclamava comigo coisas do tipo: Malu precisava ter colocado preferência pra outra cidade? “Num precisava, né?”.
Eu fiz muitas viagens para ficar com Malu. Era sempre bom. Meu irmão foi muito menos do que eu. Eu ia todos os fins de semana que ela não viesse. Ninguém sabia, eu fingia que estava na casa de outras pessoas.
Malu nunca me recebia na casa dela, dizia que os vizinhos poderiam comentar com meu irmão se me vissem e ela não queria ficar mal falada.
Passei a dedicar minha vida aos encontros com Malu, a minha deusa do amor e da sensualidade. A imagem dela quando me vem a cabeça me lembra um cheiro de chuva.
Um dia, conversando com meu irmão em casa, ele me disse que estava pensando em se casar. Casar? Como assim? Com a Malu?
- Mas eu não sei se a Malu é a mulher certa para mim.
- Então não se casa, espera um tempo para ter certeza.
- Eu acho que ela pode ser a mulher certa para outra pessoa.
O que ele quis dizer com isso? Eu olhei para ele como se eu estivesse olhando para algum objeto distante. Será que ele sabia do meu envolvimento com Malu? Será que ele sabe há muito tempo? Desde quando?
- Ela terá sorte de ter um cara como você.
Foi o máximo que consegui falar depois disso. Retirei-me e peguei um copo d’água na cozinha. Quando estava indo para meu quarto, meu irmão me chamou de novo.
- Estou pensando em comprar um apartamento na cidade de Malu, lá ela nunca me levou no apartamento dela porque disse que mora num lugar muito feio.
- Vou dormir, pensa nisso amanhã. Boa Noite.
E me retirei. Aquilo me deixou conturbado. Ela havia me dito que não poderia me levar ao seu apartamento por causa do meu irmão. O que será que ela estava nos escondendo?
Antes de dormir liguei para Malu. O celular estava desligado. Dormi um pouco pensativo com a hipótese do meu irmão estar jogando verde para colher maduro.
No dia seguinte, quando voltava do trabalho, meu irmão me telefona e fala para eu encontrá-lo num bar, perto de casa. Quando cheguei, João estava nitidamente alcoolizado sentado numa mesa com um copo de whisky de um lado, um copo de gelo no meio e uma carta um pouco a frente. Perguntei o que estava havendo, ele ignorou-me e falou sobre vários assuntos. Disse sobre amizade, irmandade e fidelidade. Eu estava sentindo que ele queria falar sobre meu envolvimento com Malu.
Ao final de sua dose, levantou, “acabou, Edu. Fomos traídos”, ele disse.

Na carta estava escrito: João, fui embora com outro. Não esquecerei vocês.

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